Por Miguel Rios*
Nada fácil ser um alvirrubro neste 2 de junho de 2013. Dia de despedida. Os 90 minutos mais duros que irá viver. Jogo doído como nunca este Náutico x Portuguesa. O tempo a avançar, a alma a espremer. Pior que derrota em casa, que perda de título, que cair de divisão nacional. Como que sair da casa dos pais, embarcar na mudança e ir para a casa nova, deixando você para trás.
Tem até um clima de novidade, de lugar melhor, de deslumbre pelo tamanho, pelo conforto, casa mais ostentosa, merecida. Casa estranha. A Arena Pernambuco é top de linha, estádio de qualidade europeia. Mas não é, nunca vai ser, por mais que se esforcem em dizer, em propagandear, os Aflitos.
Aflitos é como casa de mãe. Onde o alvirrubro se criou, onde ele cresceu, sofreu, apanhou, ganhou, riu, chorou, abraçou, reclamou. Tem aquele odor de mãe, que todo filho reconhece ao cheirar a roupa dela, que se refastela ao deitar nos lençóis onde ela dorme, que guarda na memória afetiva quando ela se vai. Inconfundível.
Lá o alvirrubro viu o Náutico de todo o jeito. Vitorioso, cambaleante, revoltante, estraçalhador, apático. Viu ídolos de Lala a Kieza, que ídolo não é só porque fez história, é porque se tem empatia, se sentiu a emoção, mesmo que digam ¨fulano foi melhor” o fã desacredita, ou até acredita, mas manda um abraço com uma desculpa: “Sinto. Gosto mais desse aí”.
Lá o alvirrubro xingou juiz, jogador, diretoria, torcida adversária. De lá, saiu cabisbaixo ou eufórico.
Lá comprou laranja de Barulho, casquinha de Vevete. Viu o rifle disparado de Bita, a determinação maluca de Kuki.
Apanhou e bateu. Garantiu seu jogo inesquecível revelável: o que ganhou. E o que esconde a todo custo: quando perdeu de frustrar.
Lá, naquele caldeirão de tamanho reduzido, e por isso mesmo caldeirão, ele foi alvirrubro na veia. Com hexa, com ascensões de divisão nacional, com títulos ganhados, cervejados, frevados e amanhecidos na sede.
Chega nos Aflitos a pé, caminho de casa, volta a pé, com parada no Vagão para tomar a última, grear, lamentar, ser torcedor.
Viu o estádio se modificar, cada pilastra ser implantada, melhorias se concretizarem, outras ficarem só no sonho. Viu jogadores chegarem, corresponderem, não darem em nada.
Se a Arena Pernambuco é luxo, e de luxo alvirrubro entende, nunca será os Aflitos, por mais que beleza esfregue na cara dos adversários. Será casa nova de filho, onde os amigos chegam, onde ele se orgulha de ter alcançado mais.
Mas casa de mãe é casa de mãe. Não vai ter o cheiro dela, aquela aura de proteção, de aqui eu sou filhote com dona fulana cheia de moral para peitar quem me ameaçar. Alvirrubro da geração Aflitos vai continuar alvirrubro, torcendo, prestigiando o time, dando força, cobrando quando nada der certo em qualquer arena que seja.
Só que a lágrima de um Aflitos que se foi, que será derramada neste domingo, vai ficar no peito. Guardada. Descongelada até ferver de uma hora para outra, para queimar mesmo, e nem precisa ser dia de jogo. Basta passar na frente, basta ver o local se modificar no futuro, os tratores encostarem.
É o novo que vem. É uma arena de padrão superior que chegou para abafar. É dinheiro que vai entrar com a área negociada. É o raciocínio dizendo que sim. Mas vai dizer ao coração. Quero ver convencê-lo.
PS: não sou alvirrubro, mas deixo a todos os meus amigos torcedores do Clube Náutico Capibaribe, e desconhecidos, o meu abraço. Hoje não é dia de rivalidade, de tiração de onda, de provocação. É de solidariedade.
* Miguel Rios é editor do caderno de esportes do Jornal do Commercio
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